Percalços de viagem – 26 horas no Aeroporto de La Paz

Em maio de 2005, passei 2 semanas pela Bolivia e Peru com meu grande amigo Matheus e as irmãs Letícia e Elisa.

 

Machu Picchu 2005

Tínhamos combinado o mochilão já a alguns meses, e no início deste ano, começou uma revolta dos campesinos no interior da Bolívia, que acabou destituindo o então presidente Carlos Mesa (não me lembro direito, mas acho que ele caiu e voltou e caiu…). Ficamos um pouco apreensivos, mas os movimentos ocorriam em Sucre, Santa Cruz, longe de onde estaríamos – os planos eram passar por La Paz, seguir para o Lago Titicaca e conhecer a Copacabana boliviana e entrar de ônibus no Peru.

Pois deu tudo errado.

No dia em que cheguei em La Paz (as meninas chegaram no dia anterior e o Matheus só chegaria no dia seguinte), já atrasada por causa de um vôo cancelado partindo de Cochabamba, desrespeitei os avisos de ‘ambientar’ à altura da cidade e fui fazer um passeio com as meninas, achando que não ia caminhar muito. Fomos pro sítio arqueológico de Tihuanaco e passamos o dia lá,  caminhando um bocado, pois o sítio é enorme. Na volta, fomos enrolados pelo motorista da van, que em vez de nos deixar no centro de La Paz, nos deixou no limite da cidade, pois a van dele não tinha autorização de passar daquele ponto. Brigamos, xingamos, saímos revoltadas mas acabou que foi isso que salvou nossa viagem.

Descemos para debaixo de um viaduto (uia, que medo) e pedimos um taxi. E fomos conversando com o taxista até chegar no nosso albergue. Foi aí que soubemos que haveria um ‘paro’ (greve) iniciando naquela noite. “E que horas termina?”, perguntamos. “Que horas?”, ele riu… “Não sabemos que dia termina, que dirá horas”. Aí ele nos explicou que era uma manifestação que poderia ser violenta, e que costumavam fechar os acessos à cidade.

Desesperamos. E aí, como encontrar o Matheus, sem celular? Como sair de La Paz? Resolvemos fechar a conta do albergue, comprar uns casacos de frio, água, lanchinhos e pegamos outro taxi… para o Aeroporto. Eram umas 17h e o Matheus só chegaria às 13h do dia seguinte, mas era a única maneira segura de encontrá-lo.

Fomos para o Aeroporto, e lá eu comecei a passar mal.  Não tinha força pra nada… nariz entupido, cabeça doendo, corpo dolorido. Dengue? Gripe? Que nada, era o Soroche, o tal “mal de altitude”. Como La Paz fica muito alta (4000 m), o ar é rarefeito e o recomendado é que o primeiro dia na região seja de ‘mansidão’ pra se acostumar. Lembra do passeio a Tihuanaco? Pois é… o resultado veio à noite. Não conseguia comer. Tomei chá de coca pra melhorar e naaaada.  E não tinha farmácia aberta no aeroporto… mas eis que o Soroche é tão popular que consegui comprar, em um quiosque num canto do saguão, uma cartela com as Soroche Pills – comprimidinhos milagrosos que custam bem barato (tipo R$10,00 a cartela) e que me deixaram boa em menos de 1hora.

Dormimos nos bancos do aeroporto do jeito que deu – pelo menos não havia, nos bancos, aqueles apoios para braços. Cada uma em um conjunto de 3 assentos. Não passamos frio, pois o aquecimento ficou ligado a noite toda. O aeroporto fechou à meia-noite e só abriu de novo lá pelas 07h da manhã. Estávamos cansadas, só acordei à noite quando um fiscal me pediu o passaporte, nada educadamente.

O dia seguinte foi de zanzar pelo aeroporto, conhecer as lojinhas e tentar um jeito de sair do Aeroporto e chegar ao Peru. A única passagem aérea boa pra nós após o horário da chegada do Matheus era às 18h, para Lima, a uns US$300 o trecho – e Lima nem estava em nossos planos… Fomos numa locadora de carros, tentar locar um carro com motorista para nos levar até o Peru… ninguém queria! Os únicos que ofertavam de ir até o Peru eram os motoristas de taxi. Mas, segundo uma freirinha esquerdista que conhecemos, ela disse que eles nos largariam no primeiro bloqueio na estrada e/ou dariam meia-volta. Resolvemos não arriscar, o cenário não tava nada bonito…

NA TV, flashes ao vivo da confusão em La Paz. A rua do nosso albergue, a Calle Comercio, perto da sede do Governo, estava uma confusão. As barraquinhas onde compramos itens para levar pro aeroporto estavam sendo recolhidas ou destruídas. Focos de incêndio. Inacreditável.

E os bloqueios? Vimos uma família de gringos na TV passando pelos bloqueios na chegada a La Paz, a pé. E a reconhecemos, pois a vimos chegar no desembarque e sair do aeroporto… de taxi!

Às 13h, desembarca o Matheus, muito surpreso e feliz pelo que ele achava ser uma gentileza nossa – que legal, vcs vieram me buscar no aeroporto! Explicamos a situação e ele demorou um pouco para acreditar. Tomamos a decisão de comprar a tal passagem aérea para Lima. Foi mais um dia inteiro acompanhando os noticiários e a certeza de que ‘por cima’ era a única forma segura de sair dali. Nessa brincadeira, uns 2 dias de nossa viagem foram comprometidos.

Quando viajamos, li que essas revoltas de campesinos eram corriqueiras e que geralmente os brasileiros são tratados muito bem no país. Mas desta vez, uma das motivações do movimento era a invasão de empresas estrangeiras, entre elas a Petrobras… Depois que terminamos nossa mochilagem e voltamos ao Brasil, soubemos de brasileiros que fugiram para a Embaixada e só conseguiram sair de lá uma semana depois! Isso nos deixou bem aliviados quanto a nossa opção… e esta aventura até agora foi o momento mais estressante de todas as viagens que já fiz!

Noites em Aeroportos

peru2005-030.jpg

A foto aí registra uma noite cheia de aventura – eu e duas amigas fugindo da confusão instalada em La Paz, que rendeu mais de uma semana de estado de sítio pros brasileiros que ficaram lá, ainda. Nós, devido àquelas coincidências do destino, tomamos conhecimento da dimensão do movimento dos campesinos horas antes e conseguimos sair da cidade.

Esse final de semana me lembrei desta noite aí, passada no aeroporto de El Alto, La Paz. Foi uma noite de sono excelente exceto pelo guardinha que no meio da madrugada me acordou pra ver meu passaporte. O aeroporto fecha à meia-noite, eles não desligam o sistema de aquecimento (helloooow, estamos a 4 mil metros de alturaaaaaa) e então tudo é silêncio.

E, empolgada com essa experiência memorável, lá fui eu pegar um voo pra BH nesse fimdi às 05h da manhã. Como eu ia ter que acordar às 3h mesmo pra ir pro aeroporto, aproveitei que meu irmãozinho chegou à 1h da manhã e fui logo pra lá, aproveitando uma carona e economizando táxi. Aaaaai, que noite terrível! Um banco duríssimo com divisórias (móveis, é verdade, mas incomodavam do mesmo jeito) , ar condicionado fortíssimo (bem-vindo aos estabelecimentos fechados na Bahia) e vôos saindo a noite toda não me deixaram dormir. Toda hora tinha aquela campainha chata e uma voz de taquara rachada de alguém da GOl/TAM/Ocean Air/BRA anunciando vôo. Acho que devia ser uma das noites mais agitadinhas por lá. O pouco tempo que consegui entrar em REM ainda tive pesadelos! Literalmente… durma-se com um barulho desses!